Meti a chave na fechadura e rodei-a. Entrei e corri pela casa à tua
procura, como sempre. Com toda a minha alegria e felicidade. Estavas sempre no
teu cadeirão à espera que eu chegasse e te desse os malmequeres a cheirar. A
sua frescura para ti era vital. Não te encontrei. Havia um bilhete em cima da
mesa da sala. Era teu. Li-o. Deixei cair os malmequeres no chão. Porquê? Eu
tinha ido colhê-los para ti, meu amor. O cadeirão da sala estava vazio e frio.
Já não fazia aquele rugido de fundo que foi adquirindo com a idade. Porquê? Não
fazia sentido. E os malmequeres eram tão bonitos. Eram tão teus. Eu sei como
gostavas de malmequeres. Sei como gostavas de mim (ou se calhar não sabia)...
Porquê? Amachuquei o papel com uma só mão. Usei toda a minha força naquele mísero
pedacinho de papel arrancado do bloco de notas. Naquele maldito recado. Porquê?
Vou odiar malmequeres para sempre, para sempre. Não vou conseguir olhá-los
mais. Nem nos campos nem nas jarras. Não. Malditos malmequeres. A culpa é toda
deles. Se eu não tivesse saído. Se não tivesse ido colhê-los. Malditos.
Inúteis. Odeio-os.
Os armários estavam vazios. Os teus livros já não estavam na prateleira. O
teu perfume ainda pairava pelo ar, mas com o tempo foi-se embora tal como tu.
Tal como tu, também ele me abandonou. Me trocou. Os dias nunca mais foram os
mesmos, nem as noites. A varanda está fria e vazia. O sofá do jardim está a
ficar ressequido pela falta de uso. O cadeirão está tapado pelo pó dos meses e
dos anos. Tal como as tuas fotografias. Mal sai-o do quarto de hospedes. O robe
e as pantufas passaram a ser a minha companhia. Tal como a solidão. As pernas
fraquejam e os pés arrastam-se no soalho de madeira que ruge. Odeio sentir a
tua falta... O teu recado continua no fundo do balde, debaixo da secretária.
Não sei ainda se lê. Mas eu ainda sei de cor cada uma das tuas palavras que
caneta escreveu. Por enquanto ainda tenho memória, nem que seja para recordar o
dia em que foste embora. O dia em que passei a odiar os malmequeres. Os
mal-me-queres! Ou seriam os não-me-queres?! Ou os não-me-amas?! Tu foste embora
e eu agora só gosto de catos. Tocar-lhes dói menos que os espinhos que me
cravaste no coração...
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